quarta-feira, 18 de março de 2009

Contos de Mary Blaigdfield – a mulher que não queria falar sobre o Kentucky (parte II)

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O Café estava mais cheio naquela manhã, disso ela tinha certeza. E o clima do lugar estava diferente também. Uma atmosfera estranha no ar, pessoas que nunca havia visto ali, garçonetes novas. Tudo muito estranho, como um sinal de que algo de ruim estava prestes a acontecer.
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Ela caminhou por entre as mesas até chegar no seu cantinho preferido, sua mesa de sempre, e se deparar com uns estrangeiros ali sentados. Maldita imigração, maldita globalização — pensou, nervosa. Caminhou até o outro canto do Café e sentou-se em uma mesa qualquer.
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Por que o clima havia de estar diferente logo hoje? Justamente hoje, quando ela havia marcado um encontro tão importante naquele local, sempre tão pacato.
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Sentou no banco de couro vermelho e chegou bem perto do vidro da janela. Sempre gostou desse cantinho, desde pequena. Até hoje se lembra das brigas com o irmão quando os pais os levavam à lanchonete. Uma eterna luta pelo cantinho sem saídas e sem entradas, onde ela estaria segura e isolada. Vivendo no seu próprio mundo.
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Pediu um café bem forte para a garçonete e começou a se distrair olhando os carros passarem na rua. Carros de todas as cores, todos os tipos. Tantos carros, e ela não sabia nada sobre carros. Mas nem por isso deixava de se distrair vendo os carros passarem.
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— Mary Blaigdfield!
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Mary é sugada de volta ao mundo real assim que se deu conta de que alguém gritará seu nome. Era quem ela estava esperando.
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— Andrezza Pascuoletto!
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— Quanto tempo!
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— É, faz muito tempo realmente.
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— O seu cabelo está diferente.
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— É, eu cortei.
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— Ficou ótimo.
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— Obrigada. Sente-se.
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Andrezza Pascuoletto senta-se no banco em frente ao dela e também se arrasta até o cantinho, deixando a bolsa e a pasta do seu lado.
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— Este lugar é sempre assim?
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— Não, hoje está diferente, mais cheio. — respondeu Mary olhando ao redor — Mas, Andrezza, nós não combinamos de nos encontrar aqui para analisar o movimento da casa. O que você tem para me mostrar?
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Andrezza tira a pasta do banco e a coloca no colo. Começa a procurar algo. É interrompida pela garçonete trazendo o café de Mary. Pede um capuccino, e continua a procurar até tirar de dentro da pasta um envelope pardo, que coloca na mesa.
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— O que é isso? — pergunta Mary, enquanto adoça o seu café.
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— Fotos. Fotos mostrando o momento em que Larie Boferman aceita dez milhões de Yuri Guriskch no saguão de um hotel em Moscou.
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— Como você teve acesso a esse material?
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— Eu sou muito próxima de várias pessoas lá dentro. Tenho influências no projeto.
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— Isso não explica o fato de você ter tido acesso a esse tipo de material.
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— O que você queria que eu fizesse? Recusasse? Dissesse que não estava interessada neste tipo de informação? — Fala nervosa em um tom de voz mais elevado, beirando o choro.
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— Se acalme, alguém pode prestar atenção em nós.
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— Desculpe...
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— Algo me diz que não foram apenas as fotos que a levaram a marcar esse encontro. Tem algo mais a dizer?
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— Não... ...Quer dizer... ...Tenho sim...
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— Então diga logo, cada segundo que passa é um segundo a menos.
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— É sobre algo que uma fonte do projeto me informou. E diz respeito a você.
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— Como assim? — pergunta espantada.
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— É algo pessoal, mas, como sou sua amiga, me senti na obrigação de...
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São interrompidas pela garçonete deixando o capuccino na mesa. A garçonete se afasta e a conversa continua:
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— Andrezza Pascuoletto, ou a senhora vai direto ao ponto ou eu sou capaz de perder a cabeça!
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— Mary, eu vim aqui para conversar, para saber se você esta precisando conversar...
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— Sobre o quê!?!?
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— Sobre... sobre....
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— Sobre?????
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— Sobre o que ocorreu no Kentucky... Mas sinta-se à vontade, eu não quero forçar na.... — é interrompida pelo olhar de Mary Blaigdfield piscando incessantemente. Nos últimos momentos em que ainda pôde, ela balbuciou:
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— Eu... não quero... falar... sobre o Kentucky.
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É, naquele dia o café estava bem diferente mesmo, mas na verdade ninguém mais parou para prestar atenção nisso depois do show de horrores de Mary Blaigdfield. Convulsões, gritos de dor, histeria, tremedeiras, soluços. Dessa vez ela chegou a urinar nas calças em meio à tremedeira. Andrezza, assustada, se aproximou para ajudar.
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Brewewreerr.
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O grupo de turistas ficou horrorizado quando Andrezza Pascuoletto passou toda engosmentada de preto ao lado deles. Realmente o fedor era horrível.
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Ela é Mary Blaigdfield e ela não quer falar sobre o Kentucky.
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