terça-feira, 17 de março de 2009

Contos de Mary Blaigdfield – a mulher que não queria falar sobre o Kentucky (parte I)

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Mary Blaigdfield dirigiu-se até a pia. Como suas mãos estavam sujas!, pensava, girando a torneira. Em milésimos de segundos, a água limpa e corrente se desmanchou pelos dedos sujos da mulher. Realmente estavam sujos.
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— Nada como uma boa água fresca para lavar as mãos, não? — disse ela em voz alta.
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— É, de fato, a água corrente retirará a maioria das impurezas das suas mãos. Se lavar com sabão, então exterminará a maioria dos micróbios e dos outros microorganismos. Mas, não pense que está cem por cento segura apenas por estar lavando as mãos... Muitas coisas resistem facilmente a uma simples lavada de mãos...
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— Como o quê, por exemplo?
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— Como... — A outra pessoa fez uma pausa, como se prestes a fazer uma séria revelação — pó nuclear...
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Naquele momento as mãos de Mary Blaigdfield, que até então se friccionavam, congelaram. Levantou os olhos lentamente até encarar a outra pessoa no reflexo do espelho.
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Mary ficou parada até que a outra pessoa lhe ofereceu uma toalha.
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Enquanto enxugava as mãos, perguntou com a voz séria:
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— Por acaso esta cidade já sofreu algum ataque com pó nuclear?
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— Isso foi há muito tempo. Antes do Larie Boferman, antes mesmo do Paul Mackning... As conjunturas eram outras e isso se deu naturalmente.
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— Por que você nunca me contou isso? — perguntou irritada.
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— Tínhamos medo da sua reação. A entrevista foi transmitida em rede nacional! Se você soubesse a verdade, poderia estragar tudo! O trabalho de anos.
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— Vocês me fizeram mentir para milhões de cidadãos, sem eu nem saber que estava mentindo?
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— Fizemos sim, mas foi pelo bem do projeto. Você precisa compreender.
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— Eu preciso compreender? — perguntou ironicamente — Eu preciso compreender é uma ova! Eu vou convocar a imprensa e informar toda a verdade.
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— Não Mary, você não vai. — retrucou em um tom de voz seco.
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— Vou, sim! Não vou levar esse peso nas costas pelo resto da vida!
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— Não Mary. Você não vai...
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— E posso saber por quê?
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— Porque, se você for, se você abrir a boca, revelaremos para todos os seres vivos desse planeta... — pausa — o que você fez no Kentucky.
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— Eu não quero falar sobre o Kentucky! Eu não quero falar sobre o Kentucky! Eu não quero falar sobre o Kentucky! — Mary Blaigdfield gritou, sofrendo naquele banheiro. Começou a se contorcer, lembrando-se do Kentucky. Contorceu-se até cair no chão, encolhendo-se. Enquanto passava a mão no chão, ela ia se enchendo de microorganismos novamente, todos sujos. Encolheu-se até ficar pequenininha. Pequenininha e vermelha, pois seu rosto parecia que ia explodir. Os grunhidos que sua garganta fazia eram verdadeiramente demoníacos. Sua pele pipocou em questão de segundos. Ela tremia, encolhida, cada vez mais rápido, em verdadeiras convulsões.
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Quando aquele sofrimento parecia estar chegando a um momento insuportável, um jorro de secreção negra e gosmenta saiu de sua boca. A partir de então, ela se acalmou como um casal após a cópula.
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Mary Blaigdfield ficou ali, como um verme, no chão do banheiro, envolta em sua secreção nojenta, repleta de imundos microorganismos.
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— Você precisará de muita água corrente agora... — e o outro foi embora impassível.
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Ela é Mary Blaigdfield e ela não quer falar sobre o Kentucky.
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